O Labirinto de Gétúlio e a(s) Carta(s) Testamento
A crise institucional no Brasil teve um desfecho trágico com o suicídio do Presidente Getúlio Vargas. Resta-nos tentar compreender quais foram os motivos que o levaram a essa ação extrema e identificarmos aqueles a quem Vargas nomeou não somente como seus inimigos, mas como inimigos do povo brasileiro. Não para tomarmos partido desse ou daquele lado, mas para que possamos ter uma visão mais nítida dos acontecimentos.
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Assista também ao vídeo baseado nesse iconográfico.
Carta-testamento
Rio de Janeiro, agosto de 1954
Carta-testamento datilografada, encontrada na mesa de cabeceira de Vargas na manhã de 24 de agosto, após seu suicídio. A carta foi lida por Oswaldo Aranha no Palácio do Catete e em seguida
transmitida por telefone para a Rádio Nacional, que a irradiou para todo o país.
"Mais uma vez, as forças e os interesses contra o povo coordenaram-se e novamente se desencadeiam sobre mim.
Não me acusam, insultam; não me combatem, caluniam, e não me dão o direito de defesa. Precisam sufocar a minha voz e impedir a minha ação, para que eu não continue a defender, como sempre defendi, o povo e principalmente os humildes. Sigo o destino que me é imposto.
Depois de decênios de domínio e espoliação dos grupos econômicos e financeiros internacionais, fiz-me chefe de uma revolução e venci. Iniciei o trabalho de libertação e instaurei o regime de liberdade social. Tive de renunciar. Voltei ao governo nos braços do povo. A campanha subterrânea dos grupos internacionais aliou-se à dos grupos nacionais revoltados contra o regime de garantia do trabalho. A lei de lucros extraordinários foi detida no Congresso. Contra a justiça da revisão do salário mínimo se desencadearam os ódios. Quis criar a liberdade nacional na potencialização das nossas riquezas através da Petrobras e, mal começa esta a funcionar, a onda de agitação se avoluma. A Eletrobras foi
obstaculada até o desespero. Não querem que o trabalhador seja livre. Não querem que o povo seja independente.
Assumi o governo dentro da espiral inflacionária que destruía os valores do trabalho. Os lucros das empresas estrangeiras alcançavam até 500% ao ano. Nas declarações de valores do que importávamos existiam fraudes constatadas de mais de 100 milhões de dólares por ano. Veio a crise do café, valorizou-se o nosso principal produto. Tentamos defender seu preço e a resposta foi uma violenta pressão sobre a nossa economia, a ponto de sermos obrigados a ceder.
Tenho lutado mês a mês, dia a dia, hora a hora, resistindo a uma pressão constante, incessante, tudo suportando em silêncio, tudo esquecendo, renunciando a mim mesmo para defender o povo, que agora se queda desamparado. Nada mais vos posso dar, a não ser meu sangue. Se as aves
de rapina querem o sangue de alguém, querem continuar sugando o povo brasileiro, eu ofereço em holocausto a minha vida. Escolho este meio de estar sempre convosco.
Quando vos humilharem, sentireis minha alma sofrendo ao vosso lado. Quando a fome bater à vossa porta, sentireis em vosso peito a energia para lutar por vós e vossos filhos. Quando vos vilipendiarem, sentireis no pensamento a força para a reação. Meu sacrifício vos manterá unidos e meu nome será a vossa bandeira de luta. Cada gota de meu sangue será uma chama imortal na vossa consciência e manterá a vibração sagrada para a resistência. Ao ódio respondo com o perdão. E aos que pensam que me derrotaram respondo com a minha vitória. Era escravo do povo e hoje me liberto para a vida eterna. Mas esse povo de quem fui escravo não mais será escravo de ninguém. Meu sacrifício ficará
para sempre em sua alma e meu sangue será o preço do seu resgate.
Lutei contra a espoliação do Brasil. Lutei contra a espoliação do povo. Tenho lutado de peito aberto. O ódio, as infâmias, a calúnia não abateram meu ânimo. Eu vos dei a minha vida. Agora vos ofereço a minha morte. Nada receio. Serenamente dou o primeiro passo a caminho da eternidade e saio da vida para entrar na história.
Getúlio Vargas
Rio de Janeiro, agosto de 1954
Carta-testamento manuscrita, só divulgada pela família nos anos 1970.
Deixo à sanha dos meus inimigos o legado da minha morte.
Levo o pesar de não haver podido fazer, por este bom e generoso povo brasileiro, e principalmente pelos mais necessitados, todo o bem que pretendia.
A mentira, a calúnia, as mais torpes invencionices foram geradas pela malignidade de rancorosos e gratuitos inimigos, numa publicidade dirigida, sistemática e escandalosa.
Acrescente-se a fraqueza de amigos que não me defenderam nas posições que ocupavam à felonia de hipócritas e traidores a quem beneficiei com honras de mercês e à insensibilidade moral de sicários que
entreguei à Justiça, contribuindo todos para criar um falso ambiente na opinião pública do país contra a minha pessoa.
Se a simples renúncia ao posto a que fui levado pelo sufrágio do povo me permitisse viver esquecido e tranquilo no chão da pátria, de bom grado renunciaria. Mas tal renúncia daria apenas ensejo para com mais fúria perseguirem-me e humilharem-me. Querem destruir-me a qualquer preço. Tornei-me perigoso aos poderosos do dia e às castas privilegiadas. Velho e cansado, preferi ir prestar contas ao Senhor, não dos crimes que não cometi, mas de poderosos interesses que contrariei, ora porque se opunham aos próprios interesses nacionais, ora porque exploravam, impiedosamente, aos pobres e aos humildes. Só Deus sabe das minhas amarguras e sofrimentos. Que o sangue dum inocente sirva
para aplacar a ira dos fariseus.
Agradeço aos que de perto ou de longe trouxeram-me o conforto de
sua amizade.
A resposta do povo virá mais tarde...
Fonte: Vargas, Getúlio, 1883-1954. Getúlio Vargas / organização, Maria Celina D’Araujo. — Brasília : Câmara dos Deputados, Edições Câmara, 2011.
Eu sempre desconfiei muito daqueles que nunca me pediram nada. Geralmente os que sentam à mesa sem apetite são os que mais comem.
ResponderExcluirGetúlio Vargas